Hoje trataremos de um tema que se refere ao movimento dos cavalos. Para poder entender o que é isto de "casas conjugadas" ou "casas relacionadas" há que prestar atenção aos saltos de cavalos.
Trata-se de algo simples: QUANDO UM CAVALO SAI, NORMALMENTE POR VIA f3, f6, c3 e c6 imediatamente dispõe de 8 casas principais a seu redor, em qualquer das quais poderia se instalar. Existe pois uma vinculação entre essa casa e as 8 que rodeiam o cavalo.
Quando o cavalo dá um novo salto, existem outras 8 casas as quais pode chegar, com as quais se estabelecem relações, apesar de que, à primeira vista, não tenham conexão entre si. Estas são as casas conjugadas. O JOGADOR DEVE PREVER OS PRÓXIMOS SALTOS DE CAVALO E DEFENDER POR ANTECIPAÇÃO AS CASAS CONJUGADAS.
Isto tem grande importância, porque essas casas não são tão fáceis de ver como o seriam as casas que domina um bispo em uma diagonal ou uma torre em uma coluna aberta. Ademais, um cavalo tem a sua disposição essas 8 casas e salta por cima das demais peças para chegar a elas, razão pela qual não se pode interpor peões ou peças que cortem sua ação, tal como se poderia fazer com os bispos, as torres e a dama, colocando-lhe obstáculos no caminho de sua diagonal ou de sua linha, que restrinjam seus movimentos.
CONTRA O CAVALO É NECESSÁRIO DEFENDER POR ANTECIPAÇÃO AS CASAS CONJUGADAS, CASO SE QUEIRA EVITAR SEUS SALTOS. Há que levar em conta a rede de casas que o cavalo domina e estabelecer quais são as principais.
Em uma das lições anteriores vocês terão ouvido dizer muitas vezes que quando se joga uma abertura de peão de rei é porque as brancas desejam jogar uma partida de ataque, à morte. E que quando se sai com peão dama é porque se deseja fazer uma partida posicional, onde o ataque, caso se produza, é acessório. Agora volto a ressaltar estes princípios.
E por que é assim? Na abertura de peão rei (depois de 1.e4 e5), as casas críticas são as que ficam nas proximidades do peão contrário; ou seja: f5 e d5. Se um cavalo se instala fortemente em f5 e o rei negro está rocado curto, é muito perigoso, porque dali o cavalo domina, entre outras, as casas g7, h6, e7 e d6, que são de vital importância, e a partida pode terminar por mate. E se o cavalo se coloca na outra casa crítica, d5, teremos um produto que beneficiará grandemente às brancas, e a partida também pode terminar por mate. Porém, quando se joga a abertura de peão dama (depois de 1.d4 d5) as casas críticas seriam e5 e c5. Se um cavalo se instala em e5, atacando a casa f7 que geralmente está defendida pela torre do roque curto, pode exercer uma forte pressão mas não dá muitas possibilidades de mate; se um cavalo chega a c5, ainda que seja forte, não ataca diretamente as posições próximas ao rei contrário, o que também dificulta as probabilidades de mate.
Além disso, nas aberturas de peão dama, o negro tem quase sempre um peão em e3, o que impede a colocação de um cavalo em f5 para assaltar o roque. Nisso reside a maior diferença entre a abertura de peão rei e a de peão dama.
Que importância pode ter isto de casas conjugadas? Veremos na partida que reproduziremos. Nela se utiliza a abertura dos quatro cavalos (como a que vimos na lição anterior), com a simetria inicial habitual neste tipo de abertura. Não é necessário repetir que a simetria só pode ser seguida até determinado momento, porque chega uma posição em que o branco dá mate e o negro não tem tempo para dar o "seu" mate. Vantagens do tempo da saída. No xadrez, como no truco, ganha a mão.
Abertura 4 Cavalos (simétrica).
BRANCAS: MILLNER BARRY
NEGRAS: STEINER
1.e4 e5 2.Cf3 Cc6 3.Cc3 Cf6 4.Bb5 Bb4 5.0-0 0-0 6.d3 d6 7.Bg5 Bxc3
Vimos na partida da lição anterior que neste momento Maroczy jogou 7.Ce2 para sair dos caminhos trilhados, porém Millner Barry preferiu fazer a melhor (7. Bg5), que, como vimos, rompe a simetria, já que se o negro respondesse com o mesmo, viria a variante explicada, onde as brancas dão mate antes de seu rival. Isso obriga as negras a jogar 7.....Bxc3, trocando um bispo por um cavalo, porém dobrando um peão na coluna bispo dama, que como estudamos, não é muito grave se o branco mantém o quadrado de peões duplos. Não há, pois, compensação.
8.bxc3 De7
O negro anteviu o plano a seguir e joga com uma idéia. Para que pôs a dama em e7? É um pouco oculto; não resulta muito fácil ver a continuação. Estamos falando das casas conjugadas. NA ABERTURA DO PEÃO REI AS CASAS CRÍTICAS SÃO AS QUE FICAM AO LADO DO PEÃO REI CONTRÁRIO: O SEJA, d5 E f5.
Pois bem: o cavalo dama do negro não tem nenhum programa em d4, já que por razões óbvias ali não poderia se instalar. Trata então de levar esse cavalo a outra casa crítica (f4) por intermédio da rede de casas conjugadas. Como? Jogando-o primeiro a d8, logo a e6 e depois a f5, onde se instalará de forma tão eficaz que decidirá a partida.
Como dissemos, o plano é um pouco oculto, e tanto é assim que as brancas não o advertem. Se neste momento houvessem feito 9. Bxc6, dobraria também o peão do bispo dama e a partida seria possivelmente empate. As brancas continuam tranqüilamente:
9.Te1 Cd8! 10.d4? Bg4
Cravando o cavalo. Depois que o cavalo negro se retirou a d8, as brancas advertiram que seu bispo em b5 não tinha nada a fazer ali e que jogaria muito pouco em toda a partida. Por isso fizeram d4, jogada ruim, que tira o peão d3 do quadrado de peões dobrados, que então serão fracos, porém abre um caminho a seu bispo.
A única possibilidade do branco é que o negro tome exd4, com o que dobraria os seus e ficaria muito bem. Porém se subentende que Steiner não vai tomar o peão de d4; deixará as coisas assim no centro (por agora) e aproveita para desenvolver a única peça que faltava: seu bispo dama.
Não era possível seguir o plano das casas conjugadas, porque a 10....Ce6 se corta a ação da dama sobre seu peão em e5, que seria perdido.
11.Rh1? Ce6
Segue o plano. O branco acreditou que tinha tempo. Não "viu" a continuação. Além disso, parece que quer ficar com seu par de bispos. Ao fazer Ce6, as negras continuam com seu plano e ameaçam o bispo de g5. As brancas, para conservá-lo, devem retirá-lo. Mas para onde? Se vai a h4 perde o controle da casa f4 que é a que interessa seguir defendendo. Se vai a e3, as negras seguem Cxe4. Se vai a d2, perde-se o peão de d4 depois de 11.....exd4 12. cxd4. Cxd4 e não se pode jogar 13.Cxd4 porque o cavalo está "cravado", o que põe o branco em sérios apertos. Não resta outro remédio, que levá-lo a c1, onde atrapalhará a comunicação das torres, porém impedirá (por agora) que o cavalo negro salte a f4.
Chegamos a comprovar, então, o que dissemos na lição anterior: QUE O BISPO DAMA JÁ "JOGA" DESDE SUA CASA INICIAL E NÃO HÁ NECESSIDADE DE MOVÊ-LO DALI ATÉ QUE A POSIÇÃO "FIQUE CLARA".
12.Bc1 c5!
Se o branco avança seu peão a d5, a posição seria fechada e então os cavalos negros seriam mais valorizados, enquanto os bispos brancos quase não jogariam. E se o branco não move seus peões, as negras ganharão um peão depois de 13.....cxd4 14.cxd4 e Cxd4 porque o cavalo branco, já dissemos, está cravado. Se tentam "descravar-se" mediante 13. Dd3, as negras também ganham um peão depois de 13.....Bxf3 14.gxf3? cxd4 15.cxd4 Cxd4. Não há mais solução, senão que se decidir a trocar o peão de d4 pelo peão contrário, renunciando para sempre a formar os peões dobrados "em quadro"
CÁLCULO PARA TOMAR UMA PEÇA ATACADA E DEFENDIDA.
Vamos fazer um comentário à margem. Observo que muitos aficionados ficam confusos quando se encontram em situações como esta e não sabem claramente quando se pode tomar uma peça e quando não.
Começam a fazer deduções mais ou menos assim. Eu tomo peão por peão, e, se continuo cavalo por peão, fará bispo por cavalo ou peão por cavalo, ou peão por peão, e por aí perdem o "fio".
Não é necessário engolfar-se em tais deduções para saber quando se pode tomar e quando não. Só basta fixar-se na quantidade de peças que atacam a peça ameaçada e na quantidade de defensores (no caso desta partida, não se pode contar como "defensor" o cavalo cravado). E a regra é fácil: É NECESSÁRIO QUE HAJA PELO MENOS UM ATACANTE A MAIS PARA PODER TOMAR. A UM NÚMERO IGUAL DE ATACANTES E DEFENSORES, O QUE TOMA PRIMEIRO PERDE ALGO. Neste caso, há 3 atacantes e somente 2 defensores: pode-se tomar o peão dama. Sigamos com nossa lição.
13.dxe5 dxe5
Com isto já podemos dizer que a partida é sumamente favorável às negras.
14.h3 Bh5 15.De2
As brancas tiram sua dama da coluna aberta e defendem o bispo de b5. Entretanto, é a situação deste bispo o que origina a próxima jogada das negras.
15...Dc7
Aparentemente, esta dama foi posta aí para prestar apoio a seu peão em c5 e a seu peão em e5, que poderiam ser atacados. Porém, seu objetivo é outro. Agora o negro está ameaçando jogar: 16....a6 17Ba4 ou Bc5 ou Bd3 ao que seguiria b5 e c4 ganhando uma peça. Vemos, pois, a má situação deste bispo, que foge antes que o ataquem.
16.Bd3 Tac8
Ameaça c4.
17.g4
Ataca o outro bispo.
17...c4
Não perde tempo em escapar com seu bispo.
18.gxh5 cxd3 19.cxd3 Cxh5!
As brancas conseguiram desdobrar seu peão de c2. Não se podia tomar 19...Dxc3 devido a 20.Bb2 ganhando o peão de e5. Esse peão não interessa. É muito mais importante o peão de h5, porque agora se ameaça claramente instalar um cavalo na casa crítica f4, defendida pelo outro cavalo. De maneira que se as brancas matassem um cavalo com seu bispo dama, imediatamente se poria ali o outro cavalo e já é muito difícil desalojá-lo. Vemos também que na rede de casas conjugadas entrava a casa h5, para chegar a f4.
A próxima jogada das brancas mostra sua insuficiência. Como não lhes será possível desalojar os cavalos de f4, optam por cedê-la, sem luta, para buscar contra-chances sobre o peão central do negro; por isso fazem...
20.Bb2 Chf4!
Era lógico que haveria que instalar ali o cavalo mais distante do centro. E já o temos firmemente instalado na casa que as negras se propuseram dominar desde sua oitava jogada e à qual sabiam que chegariam por intermédio da rede de casas conjugadas.
Agora a situação das brancas se torna angustiante e seus próximos movimentos serão quase forçados. O negro toma a iniciativa decididamente.
O cavalo está ameaçando a dama e o peão de h3; a jogada que segue é forçada, e não é boa porque a dama em f1 estará na mesma coluna da torre, a qual o negro tratará de abrir
21.Df1 f6
Apóia-se o peão rei, para cortar a diagonal do bispo branco e se ameaça Df7 para "entrar" por h5, etc.
22.d4
Quer abrir a diagonal.
22...Df7
Segue seu plano.
23.d5
Não é bom 23.dxe5 Dh5 atacando o cavalo e peão de h3.
23...Dh5 24.Cg1
O branco se deu conta de que não adiantaria tomar 23.dxe5 porque abriria a coluna bispo rei, facilitando os planos de seu rival e avançou o peão a d5 para desalojar o cavalo de e6; porém as negras não perdem tempo e seguem seu plano, já que se 24.dxe6 Dxf3+ 25.Rh2 ou (25.Rg1 e as negras teriam a sua disposição jogadas ganhadoras.
24...Cg5
Ameaça-se três vezes ao peão de h3, que só está defendido por duas peças. Se caísse este peão, toda a resistência do branco se desmoronaria. Observemos que o cavalo de f4 é tão forte que obriga as peças contrárias a ir "para trás".
25.Te3
Defendendo o peão de h5 e o de e4
25...f5
Para abrir a coluna.
26.exf5
O melhor que tinha.
26...Cxd5
As brancas poderiam jogar: 26...Txf5, porém preferiram tomar com o cavalo o peão de d5 porque é mais ativa. AS CASAS CONJUGADAS TÊM UMA GRANDE VANTAGEM: A IDA E A VOLTA.
Este cavalo voltará a f4, a seguir pressionando, com as mesmas ameaças. E este vai-vem é "torturante" para o contrário, que está atado de pés e mão, e deve seguir lutando, sabendo-se perdido. É uma verdadeira guerra de nervos, que termina por aniquilá-lo. O cavalo vai e volta... afrouxa e oprime... como o gato com o rato.
27.Txe5
Deixa sem defesa o peão de h3..
27...Cf4
Volta.
28.Rh2
As brancas, já desesperadas, tratam de "manter tudo". Se houvessem trazido sua torre outra vez a e3, cairia o peão de f5. Então, decidiram-se a defender seu peão de h3 com a única peça de que dispunham: seu próprio rei... Na realidade, não defendem nada.
Observemos que, devido à eficaz ação do cavalo de f4, todas as peças brancas estão imóveis e o bispo não joga. O negro segue demolindo lentamente a posição de seu rival, valendo-se do cavalo que tem sua "base" em f4, em movimentos de ida e volta.
28...Cfxh3 29.Dd1 Dh4
Diante do desastre, as brancas tratam de trocar as damas, porém o negro não lhe dá o gosto, e segue oprimindo-lhe. É evidente que mesmo trocando as damas, o negro ganhava. Vejamos: 29...Dxd1 30.Txd1 Cxg1 31.Rxg1 Cf3+ ganhando a torre de e5. As brancas, por fazer algo, dão um xeque inútil
30.Db3+ Rh8 31.c4 Cf4+
Volta à "base" e dá xeque descoberto de dama.
32.Ch3
Cobre?
32...Cfxh3
Ida e volta.
33.Dg3
Para trocar as damas.
33...Cf3+
Diante da inutilidade da luta, as brancas abandonam. Claro que não se pode tomar o cavalo de f3. Por exemplo:
34.Dxf3
Não serve 34.Rh1 por 34...Cxf2+ 35.Rg2 Dxg3+ 36.Rxg3 Cxe5 etc,; tampouco serve 34.Rg2 Dxg3+ A) 35.Rxg3 Cxe5 36.Bxe5 Txf5 ficando sempre com uma torre limpa de vantagem. (ou 36...Cg5 ) ; B) 35.fxg3 35...Cxe5
34...Cg5+
descoberto ganhando a dama.